A gestão de resíduos sólidos em Manaus: Uma análise técnica (2020)
No presente artigo, tenta-se esmiuçar as entranhas por trás da gestão de resíduos sólidos em Manaus
1 - IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA
O descarte dos resíduos sólidos na cidade de Manaus necessita de melhor planejamento por parte das autoridades governamentais. Segundo dados da Semulsp, a porcentagem de resíduos sólidos que são reaproveitados economicamente ainda é baixíssima, de modo que há grande desperdício de potencial econômico decorrente de tal situação. Assim, essa problemática deve ser vista como questão de saúde, economia e bem estar público.
2 – REVISÃO DE LITERATURA
Em contexto urbano, os resíduos sólidos podem ser definidos como materiais que são descartados de residências e locais comerciais e que já não possuem valor para quem os detêm, de tal forma que o seu gerenciamento adequado possibilita o fornecimento de matéria-prima às indústrias de reciclagem e diminui as quantidades destinadas a aterros sanitários (VERGARA; TCHOBANOGLUS, 2012). Assim, pode-se dizer que influenciam de maneira considerável a gestão de resíduos sólidos urbanos a política e orçamento do governo, a caracterização dos tipos de resíduos produzidos, a triagem dos materiais, o grau de escolaridade e nível econômico dos cidadãos, o gerenciamento de resíduos sólidos, a preparação técnica da equipe responsável pela gestão de resíduos sólidos, o plano de gestão dos resíduos sólidos, o mercado local para a venda de materiais recicláveis, recursos tecnológicos disponíveis e a disponibilidade de terras (TROSCHINETZ; MIHELCIC, 2009).
A má gestão dos resíduos sólidos tem como raiz histórica o crescimento populacional desordenado das grandes metrópoles. Especificamente em relação a Manaus, não houve absorção correta do fluxo de pessoas proveniente do crescimento das indústrias da Zona Franca, na década de 1960 (COSTA, 2012). Além disso, essa ocupação se deu de maneira mais intensa às margens de igarapés, provocando aglomerações urbanas em áreas que se tornaram de risco para a saúde de quem ali habita e onde se acumulou o descarte desses materiais (PEREIRA, COSTA, 2016). No Brasil, o governo federal sancionou em 2010 a lei 12.305, considerada o marco regulatório do gerenciamento de resíduos sólidos no país, que prevê a sua gestão integrada aos poderes públicos e iniciativa privada (ATENOR; SZIGETHY, 2020). Apesar disso, em 2019 somente cerca de 59% do rejeito sólido urbano (RSU) coletado teve como destinação final aterros sanitários, de modo que mais de 40% desses materiais foram despejados em lixões ou aterros controlados. (ABRELPE, 2019) A cidade de Manaus foi uma das primeiras capitais do país a ter um Plano Diretor de Resíduos Sólidos (PDRS), uma exigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos. O plano trata a respeito da inclusão social de catadores de lixo, educação ambiental, reciclagem, além do tratamento ecologicamente correto desses resíduos (SEMULSP, 2019). Ainda segundo a Abrelpe (2019), cerca de 81% de todos os resíduos sólidos urbanos produzidos na região norte do Brasil foram coletados. Além disso, 35% desse material teve como destino final os lixões — o maior nível dentre todas as regiões do país. Em São Paulo, maior metrópole do país, foi instituído em 2012 um programa que estimula a reciclagem por meio de incentivos fiscais e tributários, além do apoio à coleta seletiva e recuperação de atividades de destinação final de resíduos em situação inadequada.
3 – DISCUSSÃO
A cidade de Manaus está no grupo das dez maiores capitais do Brasil em relação a toneladas de resíduos sólidos gerados anualmente. A destinação final de boa parte desses materiais, substâncias e objetos descartados, segundo a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana, é gerenciada por duas concessionárias e está dividida em cinco modalidades: coleta domiciliar, remoção mecânica, remoção manual, coleta de poda e coleta seletiva.
O despejo desses materiais, por sua vez, é realizado desde 1986 em um aterro sanitário controlado, localizado na capital, onde foi instalado um sistema de drenagem de chorume e gases, além da construção de lagoas de sedimentação para tratamento dos líquidos gerados pela decomposição do Aterro. Os resíduos sólidos ali depositados podem receber três tipos de destinação: aterramento, reciclagem ou compostagem. No aterramento do lixo, o caminhão coletor descarrega o material no aterro com auxílio do equipamento necessário, enquanto os resíduos hospitalares são direcionados a uma espécie de ala séptica, que conta com cobertura diária desse material. Os materiais coletados a partir do modelo de coleta seletiva “porta a porta” (e os pontos fixos de coleta desde o início da pandemia ocasionada pela covid-19) são repassados a coletivos de de catadores, de modo que possa haver a sua comercialização. A coleta seletiva ainda inclui aquelas em pontos de entrega voluntária, além da coleta agendada e a executada em parceria com associações de catadores. Por fim, a compostagem tem a intenção de reduzir a quantidade de materiais orgânicos no Aterro. Para tal, reaproveita resíduos vegetais e animais para serem transformados em adubos, sendo aproveitados pela jardinagem do município (SEMULSP, 2019). Em relação à iniciativa privada, a maior parte dos resíduos gerados no Polo Industrial de Manaus é encaminhada para reciclagem e incineração, de acordo com a origem e periculosidade de cada material (ALMEIDA, BARBOSA, 2018). Segundo dados expostos na Tabela 1, é insignificante, em relação ao total, o valor referente ao modelo de coleta seletiva, que pode ser reciclado e comercializado. Assim, como analisou Stroski (2013, p.167), a grande quantidade de resíduos sólidos que não são levados à reciclagem revelam o pouco aproveitamento da capacidade econômica desse setor.
Conforme a Tabela 2, a taxa de recuperação de materiais recicláveis em relação a Coleta Seletiva alcançou pico de 2,2% em 2019. Além disso, com a pandemia ocasionada pela covid-19, trocou-se a coleta porta a porta por diversos pontos de entrega voluntária na cidade, gerenciadas em parceria com a iniciativa privada. Ainda segundo dados da Semulsp (2020), somente 0,05% dos resíduos sólidos descarregados no aterro municipal tiveram como destino a reciclagem. Esses dados são crescentes em relação aos anos anteriores, porém abaixo de índices de cidades consideradas referência mundial no assunto. Para efeitos de comparação, a cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, introduziu incentivos econômicos, como taxa menor no custeio do lixo a quem pratica a compostagem, além de ter implantado programas de reciclagem e compostagem de praticamente todo resíduo que é produzido por ali. Em Estocolmo, na Suécia, 100% dos domicílios têm a coleta seletiva por meio de um sistema de lixeiras, conectadas a uma rede de tubos subterrâneos (ATENOR, SZIGETHY, 2020). Na Alemanha, em 2011, cerca de 63% de todos os seus resíduos sólidos urbanos foram reciclados, e a taxa do lixo alemão que termina em aterros sanitários é pequena, de modo que o lixo não aproveitado é incinerado para geração de energia, como em Bremen. (EUROSTAT, 2011).
4 – PARECER
Nota-se que os dados de Manaus a respeito da gestão municipal dos resíduos sólidos urbanos (RSU) são promissores em relação ao início da última década, principalmente após a sanção federal da Lei 12.305, de 2010, que dispõe acerca da regulação do setor, e a criação, a nível municipal, do Plano Diretor de Resíduos Sólidos Urbanos, em 2011. As novas normas trouxeram segurança jurídica para que houvesse maior efetividade em todas as esferas na gestão dessas atividades.
Em um recorte pré-pandêmico, é possível perceber que, entre 2013 e 2019, a reciclagem de materiais oriundos da coleta seletiva na capital amazonense cresceu mais de quatro vezes. A partir do início da pandemia ocasionada pela covid-19, em março de 2020, a prefeitura municipal aumentou em seis vezes, até outubro daquele ano, o número de locais em que há a possibilidade de entrega voluntária desses materiais, o que atenuou a inoperância da coleta porta a porta durante esse período. Porém, o fato de a reciclagem de resíduos sólidos urbanos representar apenas 0,05% de todo o material despejado no aterro municipal de Manaus e a coleta seletiva cobrir apenas 18,3% da população da cidade refletem o desperdício de potencial econômico relacionado ao setor. É possível concluir que esse tipo de coleta, o mais propício à reciclagem, está longe de ser universalizado na capital do Amazonas, uma realidade semelhante às demais grandes metrópoles brasileiras. Ademais, as seguidas crises econômicas que o país enfrenta desde a década passada tornam mais difícil que o investimento por parte do Estado seja posto a nível que haja mudanças bruscas a longo prazo.
Inspirada em uma regulamentação paulistana, a Câmara Municipal de Manaus aprovou um projeto de lei, em maio de 2020, que proibiu a distribuição de sacolas plásticas em comércios da cidade. A determinação tem como objetivo estimular o uso de sacolas reutilizáveis, que não prejudiquem o meio ambiente. É uma boa medida, que busca prevenir a poluição dos igarapés da localidade por meio de uma norma de comando e controle. Além disso, o Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), que desde 2006 reassenta famílias e despolui os igarapés da cidade, é um caso de sucesso apesar de custoso. Economicamente, além de reduzir a poluição relacionada a resíduos sólidos urbanos, valorizou o mercado imobiliário em regiões antes vistas como pouco atrativas. Portanto, é possível continuar a haver inspiração em iniciativas nacionais e internacionais que demonstrem a viabilidade na aplicação de instrumentos econômicos em relação à gestão desses materiais. Ainda em São Paulo, há incentivos fiscais e tributários a quem pratica compostagem ou reciclagem de resíduos sólidos urbanos. Há também o exemplo da Alemanha, cuja cadeia de gestão de resíduos emprega mais de 250 mil pessoas, onde é proibida a remessa de resíduos domésticos industriais sem tratamento para os aterros, e do Japão, em que a coleta seletiva e reciclagem é incentivada por lei desde a década de 1990, e a produção de garrafas pet com 100% de material reciclado levou a redução em 90% do uso de novos plásticos.
Em um momento no qual há escassez de investimentos públicos relacionados ao setor, a elaboração de novos instrumentos de incentivos econômicos baseados naquilo que já existe, como aqueles expostos anteriormente, é a alternativa mais eficaz em relação à gestão de resíduos sólidos na capital do Amazonas, sobretudo para que haja melhora substancial na quantidade de resíduos sólidos destinados à reciclagem, de modo que exista melhoria real na vida dos cidadãos.
5 – REFERÊNCIAS
ANTENOR, S. E SZIGETHY, L. Resíduos sólidos urbanos no Brasil: desafios tecnológicos, políticos e econômicos. 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS (ABRELPE). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2018/2019. São Paulo: ABRELPE, 2019.
BARBOSA, L.F. SANTOS, L. D R. Resíduos Sólidos Industriais: Estudo de Caso em uma Empresa do Polo Industrial de Manaus-AM. Revista Científica Semana Acadêmica. Fortaleza, 2018.
COSTA, R. C. Áreas de risco: processos da natureza e produção da sociedade. Revista Geonorte, Edição Especial, v. 4, n. 4, p. 89 – 104, 2012.
EUROSTAT – ENVIRONMENTAL DATA CENTRE ON WASTE. (2011) Statistics in Focus. n, 31.2011.
PEREIRA, U. A.; COSTA, R. C. Impactos dos Resíduos Sólidos Urbanos de Manaus – AM. Manaus: INPA, 2016.
SEMULSP. Relatório das Atividades da Semulsp: Janeiro a Dezembro de 2019. Amazonas: SEMULSP, 2019.
SEMULSP. Relatório de Gestão: 2013-2020. Amazonas: SEMULSP, 2020.
STROSKI, A. A. Licenciamento de aterro sanitário e gestão de resíduos no Estado do Amazonas. In: AMARAL, K. B. do; ALVES, J. A; REIS, J. R. L. dos; (Orgs) Anais do Workshop Internacional sobre Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Manaus: A1 Studio Gráfico, 2013.
TROSCHINETZ, A. M.; MIHELCIC, J. R. Sustainable recycling of municipal solid waste in developing countries. Waste Management. n. 29, p. 915-923, 2009.
VERGARA, S. E.; TCHOBANOGLOUS, G. Municipal Solid Waste and the Environment: A Global Perspective. The Annual Review of Environment and Resources, v.37, p.277-309, 2012




